TJ - RS não cabe retratação da vítima nos processos de injúria
Publicado originalmente no Consultor Jurídico.
Oferecida a denúncia por injúria, a parte ofendida não pode mais voltar atrás, liberando o réu do processo penal. É que a chamada retratação só é válida diante dos crimes de calúnia e difamação, sendo totalmente afastada a hipótese para injúria, como dispõe o artigo 143 do Código Penal.
Assim, a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul cassou a decisão judicial que extinguiu um processo de injúria qualificada numa comarca do interior. O ofendido resolveu "aliviar" as ofensas do agressor, mas já tinha dado início ao que se tornaria a ação penal pública, ajuizada pelo Ministério Público. Com a reforma do julgado, a ação penal terá regular prosseguimento no juízo de origem.
O relator da apelação-crime, desembargador Manuel José Martinez Lucas, tomou como razões de decidir o parecer do procurador de Justiça com assento no colegiado, Sérgio Guimarães Britto. O representante do MP explicou que, se a injúria estiver lastreada em elementos referentes a cor da pele, raça, etnia, religião, origem ou condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência, a ação penal será pública, condicionada à representação do ofendido, como dispõe a Lei 12.033/09.
Para Britto, a possibilidade de exclusão de punibilidade em casos de injúria se dá apenas por retorsão (represália verbal instantânea da pessoa injuriada) ou agressões recíprocas — o que não é o caso dos autos.
"Com efeito, tendo o réu, expressa e notoriamente, proferido ofensa profunda, com o claro intuito de atingir a dignidade da vítima, e ligada às suas condições pessoais (...), está sujeito às sanções do artigo 140, § 3º, do Código Penal, sem possibilidade de retratação da representação", registrou o parecer. O acórdão foi lavrado na sessão virtual de 18 de junho.
Bate-boca familiar
No dia 27 de novembro de 2014, por volta das 18h, no município de Campo Novo (RS), José Mário Casali ofendeu o seu ex-sogro Rosalino Siqueira, quando ambos discutiam sobre um processo movido pela ex-mulher. No calor do bate-boca, ele o chamou de "sujo, vesgo e vadio". A vítima é deficiente visual no olho esquerdo e foi injuriada na via pública, na presença de transeuntes.
Em 23 de outubro de 2015, Rosalino apresentou queixa contra José Mário, por crime contra a honra. O réu foi denunciado como incurso nas sanções do artigo 140, parágrafo 3º, do Código Penal — injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade, por causa de sua deficiência física. Ou seja, injúria qualificada. A ação foi protocolada na Vara Judicial de Campo Novo.
Em audiência de instrução e julgamento realizada no dia 9 de abril de 2019, a juíza Andrea Caselgrandi Silla extinguiu a punibilidade do réu, em razão da vítima ter se retratado da representação criminal. No Termo de Audiência, a vítima admitiu que a discussão ocorreu em momento de "forte emoção" e que a situação "está superada", não desejando prosseguir com a representação.
"Assim sendo, ausente condição de procedibilidade, extingo a punibilidade do acusado. Intime-se o MP. Após, arquive-se com baixa. Presentes intimados. Nada mais", registrou a juíza no documento.
Apelação do MP
Inconformado com a decisão da juíza, o Ministério Público interpôs recurso de apelação no TJ-RS, alegando que, por tratar-se de ação penal pública, não poderia ser extinta. Disse que é irretratável a representação após o oferecimento da peça inicial acusatória,
O MP destacou, ainda, que a emoção como vetor da prática do crime não exclui a culpabilidade, a tipicidade e a antijuridicidade do delito. Por isso, pediu que fosse declarado inválido o reconhecimento judicial da retratação da representação da vítima, a desconstituição da extinção da punibilidade do denunciado e o prosseguimento da ação penal.
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